Passei as duas últimas semanas de novembro em Recife/PE ministrando um curso no Tribunal de Contas do estado. Um trabalho tranquilo e que adoro fazer, além de uma turma extremamente interessanda e batalhadora. Deste período, além de meus novos compadres cachaceiros, primos de Juliano (Guto, Hugo, Fabio, etc) e da Bodega do Véio (um “point” em uma viela de Olinda remanescente daqueles tempos que se achava numa bodega até parafuso de cabo de serrote), também tive a oportunidade de conhecer duas pessoas que, além de serem extremamente engraçadas, são exemplos de perseverança dos mais bonitos.

Fiquei todo este tempo em uma pousada em Olinda chamada Pousada D’Olinda. Um casarão antigo defronte da Igreja de São Pedro. Simpática, limpa, arrumada e tranquila, a pousada é certamente uma das melhores da cidade não somente pelo preço justo mas também pelo maravilhoso atendimento proporcionado pelos irmãos marroquinos que dela são donos.

O mais velho, Abdul (ou pelo seu nome brasileiro, Artur) chegou antes no Brasil. Resolveu ficar seis meses viajando e depois de um ano, recebeu uma proposta de um amigo para voltar e cuidar da pousada que hoje está. Engenheiro Químico de formação, ele já fez de tudo na vida; foi cabelereiro, garçom e artista plástico. Aventureiro nato, deixou sua terra natal devido ao magnetismo que o Brasil exerce nos estrangeiros (palavras dele inclusive) para simplesmente aqui viver. Estudou gestão hoteleira por correspondência no SENAC e depois de formado com louvor, mesmo falando um português simplório na época (mas falando fluentemente francês, inglês, árabe e espanhol) ele assumiu a pousada “zerada” e com muita força de vontade e dedicação, manteve o bom nome da casa, constituiu família aqui e hoje não pensa em voltar.

Seu irmão, Abdila (ou Andrey), depois de um ano e meio de seu irmão no país, foi convidado para também vir ao Brasil trabalhar e viver. Ele tem uma história mais engraçada ainda. Seu pai, comerciante no Marrocos deu um ultimato daqueles que os jovens precisam para virar homens: “ou você se casa e toca a loja da família ou vai morar com seu irmão no Brasil”. Ô dureza!!! Pediu um tempo para pensar nas duas propostas. Em suas palavras, diz ele que “A felicidade pode não estar onde nascemos, mas ela existe”. Dias após, recebeu alguns “sinais” da vida dizendo que o melhor que teria a fazer era vir para o Brasil pois sua felicidade poderia cá estar. Resolvido, chegou ao seu pai e disse: “resolvi ir para o Brasil”. Seu pai, que aparenta ser pessoa vivida pergunta à ele o porque desta decisão e ele, de bate-pronto responde: “penso que estando embaixo das asas de meus pais não serei homem realmente. Assim, acredito que lutar o dia-a-dia em uma terra diferente poderá me dar esta condição”. Satisfeito com a resposta do filho, mandou-o para cá a fim de ajudar o irmão e também a se tornar homem.

Da mesma forma que o mais velho, estudou o que pode sobre nossa cultura e sobre os assuntos relacionados com seus negócios paralelamente as tarefas diárias que tinha que exercer dentro da pousada. De causos em causos, hoje está tranquilo, com família constituída e feliz da vida, condição esta estampada no sorriso tanto dele quanto de seu irmão mais velho.

As lições aqui são muitas. A primeira delas é que fazemos nossa felicidade (ou buscamo-a em qualquer lugar). A segunda que não existe impossível mas sim o medo (que já falei várias vezes aqui sobre ele). Medo do novo, medo da insegurança do que irá encontrar, medo de não dar certo, medo de tudo. E finalmente, a melhor delas é que sem trabalho e amor não se constrói nada. Esqueça o que você conhecer sobre “turcos” que nós brasileiros teimamos em chamar todos que são árabes (da mesma forma que os paulista generalizam todos os nordestinos como “paraíbas”). Eles cá não estão em busca de dinheiro fácil ou coisa do tipo. Cá estão para serem felizes, para contribuírem com nossa terra e também para nela deixar um legado de bons feitos.

Pessoas honestas e extremamente educadas e cortezes, certamente Deus para eles é muito bom e para mim, mais ainda em poder conhecer pessoas deste tipo que agregam mais ainda em minha vida e que me mostram cada vez mais que ser feliz é diferente de estar feliz.

À eles, meus sinceros e humildes parabéns pelo peito e coragem. À você que lê, visite a pousada e tenha certeza que irá se impressionar tanto quanto eu com o respeito e simpatia, provando que não é somente nós brasileiros que a temos.

Obs: as fotos de Olinda podem ser vistas clicando aqui.